O tópico deste artigo tem deambulado na minha cabeça durante os últimos anos, mas tenho tido dificuldade em exprimi-lo de forma coerente. Sendo eu um autointitulado nerd, acompanho apaixonadamente todos os tópicos noticiosos relacionados com tecnologia. Diria que ao contrário de há vinte anos, até a comum pessoa desinteressada no tópico acompanha minimamente os desenvolvimentos mais recentes neste ramo. Não admira, considerando que já quase todas as facetas do nosso dia-a-dia incorporam tecnologia de uma maneira ou outra.
No entanto, tenho notado uma tendência cada vez mais prevalente da vontade do mercado cada vez importar menos na adoção de novas tecnologias. O que significa isto? Há várias facetas que vale a pena explorar e que tentarei explicar o mais claramente possível:
- Do total do dinheiro que existe em circulação, uma percentagem cada vez maior deste está nas mãos dos muito ricos. Este fosso exacerbou-se com o Covid, mas implica que o que o indivíduo escolhe ou não comprar importa menos do que o dinheiro que os investidores decidem utilizar para promover iniciativas ou desenvolvimentos tecnológicos. Não significa que anteriormente não existiam grandes investidores que promoviam o desenvolvimento tecnológico. Só estou a argumentar que o peso da vontade popular na determinação da viabilidade comercial parece importar cada vez menos. Temos exemplos óbvios como a Inteligência Artificial, em que o público maioritariamente ocidental demonstra um certo ceticismo sobre a utilidade destas ferramentas, e, no entanto, é impossível dar dois passos sem observar um produto que publicita a integração desta tecnologia. Também argumento que os serviços modernos de entregas de comida e viagens foram largamente impostos no público de uma maneira agressiva, em vez de terem tido uma adoção orgânica. Isto leva-me ao meu segundo ponto…
- As taxas de juro negativas da década de 2010 como medida monetária para promover o crescimento da economia e estancar a crise financeira de 2008, promoveram uma atitude de investimentos desenfreados e desconectados da realidade. O crescimento sustentável de uma empresa através de indicadores clássicos como o lucro deixou de importar, quando ficava mais barato pedir dinheiro emprestado ao banco. Muitas destas empresas tecnológicas dos últimos quinze anos operam com perdas desde a sua incepção. No entanto, dinheiro infinito atirado pelos investidores permitiu que estas empresas assoberbar o mercado e impor ao público a nova maneira de ser.
- Consolidação. No século XX, o fabrico dos vários componentes eletrónicos usados em computadores e derivados ocorriam um pouco por todo o mundo civilizado. Os EUA tinham fábricas de processadores na Califórnia, no Texas, o Japão também fabricava quase tudo domesticamente e até aqui na Europa tínhamos gigantes como a Grundig e a Philips, tendo esta última desenvolvido o formato do CD em parceria com a Sony. No século XXI, vimos o poder industrial dos países ocidentais desaparecer. Atualmente, quase todo o fabrico de processadores e componentes eletrónicos no geral encontra-se consolidada num punhado de empresas maioritariamente localizadas no sudeste asiático. O único sítio onde se consegue encomendar designs de CPUs em nós suficientemente pequenos é em Taiwan com a TSMC, e eles não têm problema com essa exclusividade, escolhendo sempre os melhores pagadores para os processos mais avançados. Naturalmente, esta consolidação faz com que um punhado de empresas com capital suficiente consigam ditar o rumo da indústria.
- O mapeamento completo do perfil psicológico humano tem permitido uma exploração sem precedentes da nossa livre vontade. Cada vez há menos pessoas com pensamentos próprios que não lhes tenham sido transmitidos ou pela televisão ou por algoritmos. Quanto do conteúdo que consumimos não contém mensagens escondidas? Quantas publicidades assistimos diariamente? Isto pode estar a entrar um pouco no ramo das teorias da conspiração, mas só exploro este tópico para cimentar que vivemos em tempos de exploração do psique humano sem precedentes. Nunca fomos tão manipulados como agora. Se examinarmos publicidade antiga, ou até propaganda da altura do Estado Novo até nos rimos com a simplicidade e brutalidade da mensagem, tão obviamente ditada. Dizemos para nós próprios que agora somos mais inteligentes e nunca cairíamos nessas patranhas, inconscientes das narrativas e linhas de pensamento que nos são impingidas diariamente.
Considero estes os principais fatores para suportar a minha tese de que a vontade popular cada vez menos importa a ditar o sucesso dum produto. Penso que dá para perceber que o principal fator que motivou a elaboração deste artigo foi mesmo esta explosão de tudo o que está relacionado com IA. Não querendo implicar que todo o desenvolvimento nesta área não tem usos práticos, por exemplo, na área da medicina para a deteção preliminar de condições médicas ou na automação de certas tarefas que previamente exigiam trabalho manual e repetitivo. Mas após assistir ao aparecimento e rápido desaparecimento dos NFTs (Non Fungible Tokens), da bolha das cripto-moedas, em que aparecia uma nova a cada dia, ganhei algum discernimento para distinguir “hype bubbles”, e parece-me que neste momento vivemos numa. Não que importe muito. A moda da IA irá continuar a ser puxada para o consumidor enquanto existirem investidores de capital de risco – os chamados venture capitalists – dispostos a atirar dinheiro indiscriminadamente, e os bancos continuarem a oferecer os empréstimos, porque, como tenho argumentado, a vontade do consumidor cada vez importa menos.